Entendendo a Sepse: O Que Você Precisa Saber

Sepse é uma síndrome clínica caracterizada por alterações biológicas, fisiológicas e bioquímicas no hospedeiro, culminando em disfunção no funcionamento de órgãos e sistemas, secundária à resposta inflamatória desregulada a uma infecção.

Diferentemente do antigo conceito de infecção generalizada, entende-se atualmente que o foco da infecção pode estar localizado em apenas um órgão, como o pulmão; no entanto, é a resposta do organismo para combater o agente infeccioso que provoca uma resposta inflamatória sistêmica descontrolada, não regulada e autossustentável responsável pela lesão celular e disfunções orgânicas atribuídas à sepse. Aceita-se ainda que a sepse faz parte de um continuum de gravidade, que se inicia na infecção não complicada, perpassa a sepse, o choque séptico e culmina na síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMOS) e morte.

TABELA 1  Critério de resposta inflamatória sistêmica

Clique nas abas dos critério para ver os valores

A definição de resposta inflamatória sistêmica exigia a presença de 2 ou mais dos critérios acima.

Fatores de risco para pior evolução incluem extremos de idade, doenças imunossupressoras, câncer, medicamentos imunossupressores, diabetes, abuso de álcool, cateteres venosos ou outras condições que envolvam integridade cutânea.

A incidência de sepse está aumentando no mundo. As possíveis razões para esse aumento provavelmente incluem:

  • Maior número de pacientes convivendo com imunossupressão (pacientes transplantados, em programas de quimioterapia, ou convivendo com o HIV/AIDS).
  • Desenvolvimento de microrganismos multirresistentes.
  • Aumento da expectativa de vida da população (pacientes com mais de 65 anos representam 60 a 85% dos casos).

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A causa mais comum de sepse é pneumonia. Estima-se que até 48% dos pacientes internados com diagnóstico de pneumonia evoluem com sepse. Além do pulmão (que representa 64% dos casos de sepse), outros focos são abdome (20%), corrente sanguínea (15%) e trato geniturinário (14%).

A sepse pode ter origem na comunidade, ser nosocomial ou associada a cuidados de saúde. Cerca de 80% dos casos de sepse são da comunidade.

A sepse ocorre quando a liberação de mediadores pró-inflamatórios em resposta a uma infecção excede os limites do ambiente local, levando a uma resposta  generalizada. A causa da generalização é provavelmente multifatorial, envolve o agente infeccioso e o hospedeiro, e pode incluir:

  • O efeito direto dos microrganismos invasores ou de seus produtos tóxicos, por exemplo, componentes da parede celular bacteriana (endotoxina, peptidoglicano e ácido lipoteicoico), toxinas bacterianas (enterotoxina estafilocócica B, exotoxina A de Pseudomonas e proteína M de estreptococos hemolíticos do grupo A).
  • A liberação de grande quantidade de mediadores pró-inflamatórios, que incluem o fator de necrose tumoral alfa (TNFalfa) e interleucina-1 (IL-1).
  • A ativação do sistema complemento. 
  • Suscetibilidade genética individual ao desenvolvimento de sepse.

Sepse, portanto, pode ser definida como uma inflamação intravascular descontrolada, não regulada e autossustentável que pode levar a lesão celular. Lesão celular é o mecanismo precursor da disfunção orgânica na sepse. Os mecanismos propostos para explicar a lesão celular incluem:

  • Isquemia tecidual: oxigênio insuficiente para suprir as demandas metabólicas de um tecido inflamado.
  • Lesão citopática: lesão celular direta, principalmente secundária a disfunção mitocondrial por mediadores pró-inflamatórios e aumento de indução de apoptose.

ACHADOS CLÍNICOS

O paciente séptico pode se apresentar no departamento de emergência (DE) com sinais e sintomas relacionados à infecção, à resposta inflamatória sistêmica ou à disfunção ou falência orgânica.

Assim, pacientes com quadro de sepse geralmente apresentam-se com queixas infecciosas, como tosse produtiva, dor abdominal ou disúria.

Ao exame físico, pode-se encontrar febre, taquicardia e taquipneia. É importante ressaltar que a apresentação inicial da sepse é inespecífica, de modo que muitas outras condições, como pancreatite, podem se apresentar de maneira semelhante.
Com a evolução do processo, sinais de disfunção orgânica, como insuficiência respiratória, insuficiência renal, insuficiência hepática e choque podem se desenvolver.

TABELA 2  Causas de Sepse e Manifestações Clínicas

Clique nas causas para ver os achados clíncos

CHOQUE SÉPTICO

Choque séptico, definido como disfunção hemodinâmica e metabólica associada a sepse, deve ser identificado precocemente e tratado de forma agressiva, pela mortalidade atribuída ao processo.

Hipotensão, taquicardia, diminuição do tempo de enchimento capilar, livedo ou cianose podem indicar choque. Sinais adicionais incluem estado mental alterado (rebaixamento ou agitação), oligúria e íleo. Esses achados podem ser modificados por doenças ou medicamentos preexistentes; por exemplo, pacientes idosos e usuários de betabloqueadores podem não exibir taquicardia. Por outro lado, pacientes mais jovens frequentemente desenvolvem taquicardia grave e prolongada e não se tornam hipotensos até que ocorra descompensação grave, muitas vezes repentina. Pacientes com hipertensão crônica podem desenvolver hipoperfusão crítica com uma pressão arterial mais elevada do que pacientes previamente saudáveis.

Sinais de Choque:

  • Pele fria, pálida e pegajosa
  • Aumento do tempo de enchimento capilar
  • Livedo
  • Cianose de extremidades
  • Estado mental alterado
  • Redução do débito urinário
  • Hipotensão arterial

EXAMES COMPLEMENTARES

Da mesma forma que a anamnese e o exame físico, os achados laboratoriais são pouco específicos, e geralmente estão associados à etiologia da sepse, resposta inflamatória sistêmica ou disfunção orgânica. Por outro lado, os exames laboratoriais e radiológicos são importantes para determinar o foco infeccioso e para diagnóstico da síndrome de sepse a partir da comprovação de disfunção orgânica.

A solicitação de exames deve ser realizada de maneira racional e orientada pela suspeição clínica. Dois pares de hemoculturas (meios de cultura para anaeróbio e aeróbio) devem ser solicitados para todos os pacientes com suspeita de sepse, preferencialmente antes da administração de antibióticos (desde que não haja atraso nessa administração).

A ultrassonografia point-of-care (USPOC) tem ganhado importância na sepse, pois pode indicar o diagnóstico etiológico (pneumonia, pielonefrite, apendicite etc.), presença de complicações (disfunção miocárdica) e orientar o tratamento (reposição volêmica).

DIAGNÓSTICO

TABELA 3  Exames diagnósticos para elucidação de foco infecção de acordo com suspeita clínica

Clique no diagnóstico para ver o exame a ser solicitado

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TABELA 4  Exames laboratoriais para avaliação de disfunções orgânicas

Clique na difunção orgânica para ver o exame a ser solicitado

No serviço de emergência, a contradição entre a necessidade de exames complementares para o estabelecimento diagnóstico e o benefício da instituição de tratamento precoce torna necessária a adoção de ferramentas para o rastreio de pacientes com sepse possível.

Em pacientes com suspeita de infecção, ferramentas têm sido estudadas para triagem de pacientes com sepse possível:

SIRS – Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica

≥ 2 pontos: apresenta alta sensibilidade, mas baixa especificidade para o diagnóstico de sepse serviço de emergência.

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qSOFA – Quick Sequential Organ Failure Assessment (Avaliação Rápida de Insuficiência Orgânica Sequencial).

≥ 2: apresenta baixa sensibilidade, mas alta especificidade para o diagnóstico de sepse.  Pela baixa sensibilidade, esse critério não é recomendado para a triagem de sepse no serviço de emergência.

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NEWS

A ferramenta NEWS é utilizada em algumas instituições, em unidades de internação e pronto-socorro, para a triagem ou avaliação a pacientes com suspeita de sepse.

≥ 4: apresenta melhor acurária para sepse no pronto-socorro (AUC 0,91) com sensibilidade comparável à do SIRS e especificidade comparável à do qSOFA. O escore NEWS é utilizado atualmente no pronto-socorro do HC-FMUSP para a triagem de pacientes com suspeita de sepse.

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A: Alerta; FC: Frequência Cardíaca; FR: Frequência Respiratória; PA: Pressão Arterial; V, D, I: Reage a Estímulo Verbal, Dolorso ou Irresponsivo.

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TRATAMENTO

Objetivos de cuidado do paciente séptico:

Objetivos de cuidado do paciente séptico

Antimicrobianos: Recomendamos que a antibioticoterapia seja iniciada precocemente no paciente com sepse, preferencialmente em até 1 h da apresentação do paciente no serviço de emergência. No entanto, o benefício da administração precoce de antibióticos em  pacientes com sepse é controverso e tem sido alvo de estudo nos últimos anos.

Já o benefício da antibioticoterapia precoce no choque séptico está consolidado na literatura desde o estudo de Kumar et al. (2006), que concluiu que há diminuição da chance de sobrevivência do paciente na ordem de 7,6% a cada hora de atraso no antibiótico. A escolha dos antimicrobianos, embora empírica, pode ser complexa e deve ser personalizada para o paciente.

A escolha dos antimicrobianos, embora empírica, pode ser complexa e deve ser personalizada para o paciente.

Sugere-se que a antibioticoterapia seja direcionada para o foco suspeito de infecção. Há recomendação de que a escolha inicial seja por droga ou associação de amplo espectro. Considerando os agentes mais comumente causadores de sepse, são: Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella
pneumoniae e Streptococcus pneumoniae.

Fatores que influenciam na escolha de antimicrobianos

Escolha de antimicrobiano

Ressaltamos a diferença entre antibióticos de amplo espectro e antibióticos indicados para bactérias com perfis específicos de resistência. O espectro de antibióticos deve sempre ser reduzido quando os patógenos tiverem sido isolados e as
sensibilidades estabelecidas.

A administração rotineira de terapia antifúngica empírica não é justificada em pacientes não neutropênicos. Os principais fatores de risco para infecção fúngica são cirurgia recente, nutrição parenteral, tratamento antimicrobiano ou hospitalização prolongados, quimioterapia, transplante, insuficiência renal ou hepática crônica,
diabetes, dispositivos vasculares, choque séptico ou colonização prévia por Candida spp. Mesmo nesse perfil de pacientes, o uso de antifúngicos empíricos não direcionados por culturas não parece reduzir mortalidade. Em pacientes  neutropênicos ou com forte suspeita de Candida ou de Aspergillus, equinocandinas (para Candida) ou voriconazol (para Aspergillus) são medicações de escolha. 

RESSUCITAÇÃO VOLÊMICA

Em pacientes sépticos com sinais de má perfusão é recomendada a reposição volêmica inicial com 30 mL/kg de peso de solução cristaloide nas primeiras horas, com preferência para o ringer lactato.

Essa abordagem é baseada nos estudos ProCESS (2014), ARISE (2014) e ProMISE (2015), que não demonstraram diferença na mortalidade de pacientes quando foram administrados volumes de 2-3 litros em comparação com volumes maiores do que 3-5 litros nas primeiras 3 horas.

A ressuscitação volêmica deve ser administrada em bolus, em infusão rápida, por exemplo, 500 mL aberto. Idealmente, a responsividade do paciente à terapia fluida deveria ser avaliada antes de cada infusão. Assumimos como fluidorrespondedor o paciente que apresenta aumento de 15% do débito cardíaco (medido ao  ecocardiograma, p. ex.) com a manobra de elevação passiva das pernas

Na impossibilidade de avaliação de fluidorresponsividade, sugerimos que a resposta clínico-hemodinâmica e a presença ou ausência de congestão pulmonar sejam avaliadas antes e após cada bolus.

Embora o lactato não seja um marcador direto de perfusão tecidual, ele tem sido repetidamente descrito como um marcador substituto de desfechos adversos. Assim, quando maior do que 2 mmol/L (> 18 mg/dL) na admissão do paciente, sugere-se (de acordo com literaturas) uma segunda dosagem 2-4 h após o início da ressuscitação volêmica, como avaliador de medidas já implantadas e indicador prognóstico.

Evidências de estudos randomizados e metanálises não demonstraram diferença convincente em relação a mortalidade, disfunção orgânica ou tempo de internação hospitalar e em UTI entre pacientes que usaram soluções de albumina ou soluções cristaloides no tratamento de sepse ou choque séptico. Pela custo-efetividade, sugerimos soluções cristaloides como primeira escolha.

Entre as soluções cristaloides, há um crescente interesse no uso das soluções cristaloides balanceadas, como o ringer lactato, e algumas evidências sugerem que uma estratégia de ressuscitação restritiva ao cloreto está associada à redução da incidência tanto de injúria renal aguda quanto da necessidade de terapia renal substitutiva, embora ainda precisemos de mais estudos antes de abandonar o uso de soro fisiológico no serviço de emergência. Ressaltamos que o ringer lactato, de forma geral, não aumenta o lactato sérico do paciente.

Soluções de amido aumentaram a mortalidade e a necessidade de terapia substitutiva renal em pacientes com choque séptico em comparação com cristaloides e devem ser evitadas.

SEGUIMENTO

A unidade de internação preferível para pacientes sépticos varia de acordo com as características individuais. Pacientes com choque séptico ou em insuficiência respiratória com necessidade de vasopressores ou de ventilação mecânica necessitam de internação em UTI. Já pacientes sem choque e que respondem rapidamente à antibioticoterapia podem ser transferidos com segurança para leito de internação. Pacientes limítrofes devem ter avaliação cuidadosa e o limiar para escolha de UTI deve ser baixo.

CONCLUSÃO

A sepse é uma condição médica grave, resultante de uma resposta desregulada do corpo a uma infecção, que pode levar a falência de múltiplos órgãos e morte se não for tratada prontamente. O tratamento eficaz da sepse é crucial para melhorar a sobrevivência e reduzir complicações. Envolve a identificação rápida da condição, administração imediata de antibióticos de amplo espectro, controle da fonte de infecção e suporte hemodinâmico intensivo para manter a perfusão dos órgãos.  Além disso, o manejo adequado da sepse pode diminuir a duração da internação hospitalar e os custos associados aos cuidados intensivos. Portanto, o tratamento rápido e eficiente de pacientes com sepse é vital para salvar vidas e melhorar os resultados clínicos.

Autor: Rogério de Jesus

Enfermeiro | Especialização em Oncologia Clínica e Urgências Oncológicas | Especialização em Enfermagem na Atenção Primária com Ênfase na Estratégia Saúde da Família.

Fonte: VELASCO, I.T.; et al. Medicina de emergência: abordagem prática 14. ed. Barueri – São Paulo. Manole, 2020.

 

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